segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

voz


ouço atento os lábios
moldes simples
Seus lábios junto a um par de olhos
sorriem
para o ar que é ainda estático
leio fotos
e entendo o óbvio
dizem

sua harmonia tempera
tingindo o ar estreito
feito
efeito grave de um cutelo àfiar

abissal
seu som é consonante par
reproduz seu dever valvulado
de ser fado
sublime forma sólida
vibra aqui serena
tímida ao lado

(05/2012)



quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Poema feliz

Até o maluco tem os seus padrões,
nas viradas: exceções
dentro de seus aceitos.
O que eu faço não é nada disso
sou estranho homem feito
e tudo admito mesmo


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

3 poesias

você é o sangue que pulsa
bem bonita
sendo ainda
dona desse manejo
que levemente aflito me deixa
pelo fino que tirou
do lugar que entrou
pela porta entreaberta
na abertura era certa
e seu corpo de força e finesa
saiu implorando um desejo
pedindo alerta fera
ou um soldado em perigo
por algum tipo de esperteza
esperta (quem me dera)
indigente quimera aos poucos sai.
pra trás.
corre e tropeça
mas não sabe
nem metade
das pegadas que o curupira entra,
que rebobina ódio e acerta
essa raiva que amanhã não tem mais

--------------

pra que serve a palavra
as minhas não sabem

quero falar de você aqui
nesse espaço branco e cinza
em que você falta

tanto aqui quanto a mim

mas a palavra não sai
quer dizer, não sabe

sair elas até saem

eu te amo

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o cigarro não é mais
que a comida não é, mas
o vinho seria mas não é suficiente
não é mais
não assim, mulher!
cada um com sua parte
e chego a dizer que
qualquer metade talvez servisse
sabe lá o que vai ser?
vai ver que mais dia
saio de bem com você
para um passeio com todas as suas
que são suas mas
seriam mais lindas se
num alívio abraço
e tudo mais:
bebidas, comidas,
menos labios vazios
de cigarros,vinhos
vazios dos seus ares, beijos e outros cálices
da sua vontade de menos receio
que ainda vejo mínima
e desejo
ainda






segunda-feira, 17 de setembro de 2012

reflexo

não vi o meu reflexo na vidraça da loja
não exatamente
vi nas minhas sua iris, vaga
no meu corpo, o seu presente, vago
nova espécie
ente duplo doente
nativivo moribundo
que pelo curto tempo de vida
e condição de mutação indevida
parece ter o bônus
de entender por inteiro a breve existência de si
pois nasce sabendo que o fim
é primeiro

da nossa imagem já vi o bastante
volto bem pro que faço
passo ando
e assim no papel de alma deixo o seu corpo
deixo etéreo nossa imagem virtual
e a nossa criação desfalece
amorfa, inerte,
você
e o que assusta é a sua negligência,
o jeito como já se vira e fala com alguém
nem se lembra de alguma coisa:
o que você viu não era seu
o pesar não é seu
tampouco o quase
sorrio
não viu que de dentro
onde se acha ver o que acontece
não reflete,
nunca refletiu

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O espaço é vício na teia, capcioso e pronto para dar um golpe ele esconde o mistério da sua existência. A clareza do seu determinismo é a mesma que secretamente se converte em dúvida nas suas concessões, ele nos ama mas desdenha.
Lhes digo que é um inseguro recalcado que tenta não expor suas fragilidades.
Lhes digo que o espaço ri escondido, existindo e desaparecendo de propósito sem avisar. No entanto ele padece no seu caráter, tem um gosto mórbido pelo desconhecimento alheio do que ele julga inferioridade, ele zomba fingindo falar sério e não compartilha o escárnio com comparsas, a piada só existe pra ele.

A única forma de não implodir é recriar o espaço na estufa e equilibrar a equação. Cabeça que nasce hipobárica e que nas persistentes tentativas de se preencher acaba arrebentando válvulas  ou até - há casos - explodindo.
A receita não é difícil de se vislumbrar nem de tão difícil execução.
Preparemos no nosso mecanismo lógico um pequeno ladrão, um furo um pouco abaixo do limite de capacidade que faça com que o mundo se ache elogiado em sua fútil complexidade.
Este, como um bom recalcado, terá suas desconfianças e paranóias, e na verdade nunca descobrirá se é assim tão belo ou se rimos de seu alface no dente.
A verdade é que não sorrimos por nenhum dos dois,
e isso torna tudo mais divertido


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Torquato

Esse rapaz se chamou Torquato, seus amigos o conheciam como Pereirão, o que na verdade não chega perto de vir ao caso, pelo menos pra o que vamos falar sobre ele aqui.
Sua rotina nos últimos anos tem sido composta de pouco sono, trabalho e parcelamento de cartão de crédito, uma rotina massante, repetitiva, exceto pelas catástrofes pessoais que as vezes se convidam pra entrar num nível mais extraordinário, isso sim tira Torquato da rotina.
O escritório de contabilidade vai bem, sendo proprietário de tal negócio pode-se ter uma boa liberdade financeira, o que proporciona um status diferenciado na sociedade, pena que Torquato não o é, sua função é fazer lançamentos num livro que nem ele mesmo sabe como funciona, são capas pretas em brochura numa estante de metal cinza que vai até o chão. Para se ter uma ideia, se uma criança de cinco anos entrasse na sua sala e a fosse pedido que chutasse um número para a quantidade de livros na estante de Torquato, ela provavelmente diria novecentos e noventa e nove, ou um trilhão, ou "cem!", que para ela significariam a mesma coisa na verdade.
Não, Torquato não é casado, mas ainda assim possuía um anel no anelar. Quando ele tinha seus vinte e poucos anos leu Código daVinci e decidiu que queria ser maçom, no entanto não conheceu nenhum membro para que pudesse indica-lo a ingressar na ordem, por esse motivo não titubeou ao comprar um anel muito parecido com o dos maçons quando lhe foi oferecido por uma sexagenária obesa no salão de cabeleireiros onde corta o cabelo, num daqueles estojos de enrolar, feito de tecido preto peludo que dão a impressão de guardar preciosidades de valor incalculável, mas que todos sabemos preferirem se reservar à modéstia de portar humildes bijuterias.
Torquato não tem vida afetiva, no ano passado teve um breve caso com uma boliviana que trabalhava no armarinho e que sumiu de um dia pro outro, sem nenhum aviso, ele não acha que ela tenha sido assassinada, sequestrada ou que tenha saído pra comprar pão e caiu numa ribanceira morrendo despercebidamente, mas diz achar.
Se fossemos criar uma equação com os fatores, parcelas, dividendos, bases e potências que representam as variáveis da insegurança de Torquato, teríamos algumas páginas com complexos símbolos matemáticos, mais algumas com legendas e referências a esses símbolos e mais algumas com asteriscos referindo outras referencias nas referências, isso além de mais algumas linhas de post-scriptum para detalhes que não se conhece a origem ou que foram simplesmente dados como fato. Esse não é o nosso objetivo aqui, já temos uma idéia do quão inseguro Torquato é e do quão patético isso o torna para os outros. Tatuagem de ideograma, comprar as roupas iguais as do Jean Reno em O Profissional, anel falso de maçom, lente de contato azul, uma tragédia animada por um raio divino de vida, e de pena.
Contudo algo salva Torquato do limbo da escória, que é uma tímida e deficiente perspicácia que dá as caras de vez em quando com suas muletas, coisa que dessa vez permitiu uma auto-análise muito breve da sua pessoa, uma consciência que surgiu dessa vez com motivação suficiente para tentar dar cabo dos seus complexos de inferioridade.
Seu colega de trabalho e único conselheiro, Júlio César, que é a completa antítese da imagem do seu nome de pompa, lhe disse com ar de mestre que para ser mais bem sucedido deve-se acreditar em si mesmo, ter confiança na própria capacidade, "nós podemos ser tudo que quisermos". Nosso mancebo, mesmo já tendo ouvido aquela máxima motivacional mil, um trilhão de vezes, seja em filme infantil ou em livro de auto-ajuda, desta vez se sentiu tocado pelas palavras do amigo de um jeito que nunca tinha sentido antes, Torquato percebera que chegara no limite de sua infelicidade, agora teria de mudar as coisas, tomar uma providência definitiva.
Segurança plena, total, ser tudo que se almeja, esse era agora o mais novo objetivo dele.
Depois do horário de almoço, ao voltar para o prédio da empresa, Torquato apertou o último botão do elevador, foi até a sala do sub-gerente de setor e, ao bater e ser instantaneamente autorizado a entrar, ele se surpreende com o tamanho da sala do seu chefe, percebe o monitor do seu computador, um sansung syncmaster 753dfx com tela semi-plana, um ventilador novíssimo e um banquinho para apoiar os pés. Com o deslumbre o pequeno verme realiza de uma vez por todas onde quer chegar. Agora Torquato já sabe o que quer ser, tem uma certeza no seu horizonte e pretende alcança-la a qualquer custo.

- Torquato, né?
- Sim.
- Eu posso te ajudar em alguma coisa?
- Sr. Alves, quero me candidatar a supervisor, ainda há tempo?
- Tem certeza? Você tem algum curso ou especialização.
- Não, mas eu sou capaz.
Aparece um sorriso que fugiu disfarçado na cara do sub-gerente, que saiu não tanto por duvidar da capacidade do sujeito, mais pela frase que rasga um cashmere de pieguice.
- Tudo bem, como quiser, quer fazer a entrevista amanhã junto com os outros candidatos a vaga?
- Pode ser.
- Ok, até amanhã, chegue aqui as três.
- Até.

O riso do seu chefe não passou despercebido, Torquato não conseguiu não se deixar abalar por achar ter sido subestimado, e agora faria questão de usar de todas as suas forças para se provar capaz.
Nesse dia, ao chegar em casa, sentou-se e leu o regulamento de supervisão do escritório sobre o qual provavelmente seria questionado na entrevista no dia seguinte e, depois de meia hora lendo, se levantou e  se pôs aos gritos, mantras motivacionais na frente de um pequeno espelho em sua sala.

"Você pode, você consegue, segurança, confiança é tudo que você precisa. Força Torquato!"

A cena era digna de um manicômio, mas quem olhasse lembraria mais de uma peça sub-lotada de teatro contemporâneo, a impressão que dava era a de que se alguém entrasse repentinamente se liquefaria em segundos como uma lesma salgada, de incômodo e vergonha daquela situação.
A cena consistia de um corpo ovoide todo contraído portador de um obsceno cavanhaque, sem camisa, socando seu próprio peito incessantemente e que por vezes parava e pulava em semi-polichinelos dizendo "relaxa...", e quando voltava a sua pobre rigidez gritava palavras como "Raça! Confiança!".
As três da manhã foi dormir um sono cansado do esforço físico que o flagelo de se socar durante 5 horas lhe provocara.
Já no dia seguinte, com a sua melhor roupa, Torquato entrou no ônibus em direção ao seu trabalho, no qual durante toda a primeira parte do dia Julio Cesar o aconselhou "Força, confiança, Pereira!".
Torquato estava pronto.
As quinze horas pegou o elevador para o andar da sala do sub-gerente, na sala de espera olhou com soberba para os outros candidatos, eram três, que ansiosos folheavam revistas sobre famosos em ilhas paradisíacas.

- Boa tarde senhores, entrem.

Alves, num semblante de impaciência pediu aos candidatos que se sentassem em cadeiras escoradas na parede. Num repente outros 6 sub-gerentes entraram na sala sem bater e também se acomodaram em cadeiras, porém na parede oposta, de frente para os quatro candidatos.

- Senhores - disse o sub-gerente Alves - gostaríamos que cada um de vocês fizesse uma breve apresentação sobre o regulamento de supervisão, citando as regras e suas funções. Para tal obedeceremos a ordem alfabética assim começaremos com o Carlos, depois Henrique, Jorge e por último Torquato. Por favor, Carlos, fique a vontade.

As apresentações intimidaram o reumático intelecto de Torquato, pessoas traquejadas, falantes, gesticulando um balé de mãos no meio de finos discursos. Jorge então, seu último antecedente, era quase um mestre de cerimônias, uma voz grave e potente complementava uma aparência de bom genro, era simpático e inteligente.
Torquato, em meio a todos aqueles escombros de desânimo, conseguiu achar forças para emergir e levantar da sua cadeira, ao vagarosamente se dirigir ao centro da sala onde faria sua derradeira apresentação o rapaz começava a se transformar, esboçava um semblante de mal, impiedoso, mas que emoldurado por aquele gel nos cabelos microcacheados não fariam medo a um labrador.

No centro daquela sala alguma coisa acontecia, um homem se concentrava para fazer algo, musculos se contraiam como no dia anterior na frente do espelho e com isso uma incrível aura de cor azul circundou Torquato. Todos na sala se assustaram com aquilo que só poderia vir de fonte sobrenatural, aquela energia azul em volta do franzino candidato se tornava a cada segundo mais densa. Os demais concorrentes se puseram a gritar desesperados, os gerentes tentavam sair amontoados na porta. O ar se movia, ventava dentro da sala, os cabelos e gravatas eram jogados pra trás, papéis voavam para o chão, quando de repente, num grito estridente de auto-confiança, Torquato se transformou numa enorme pedra, numa rocha de granito polido, cúbica, gigantesca. Os ventos cessaram e os papéis e gravatas repousaram, assim, ao se acalmarem, depois de alguns momentos de silêncio todos na sala aplaudiram, se emocionaram, choraram, admirados com a incrível capacidade do rapaz, que antes lançava dados em livros de registro contábil e que agora desabrochara em um imponente bloco de granito. Em minutos todos os funcionários do prédio se colocaram em fila na porta para ver Torquato, de presidentes a faxineiros, em questão de horas o boato havia se transformado numa multidão de repórteres e câmeras saindo de vans adesivadas. Até sua ex-amante boliviana voltou e chorou aos pés da pedra jurando amor eterno, cartazes foram colados em suas faces lisas e até judeus encostavam suas cabeças e rezavam.




quinta-feira, 28 de junho de 2012

-


não ouse me tocar como tem feito
com esse velho veneno homeopático

hoje quero ser amaciado sem motivo
me ama, casa, mora

quero o som da sua cólera
ou bons socos carvoados
resistentes, sujos, quentes
que doam negros em hematomas arco-iris
edemas, sangue corrente na foz de uma calçada

ou me dê um vão
espaço para sentar sozinho
emparedado no ar concreto
não olhe pra mim.
não venha

ou se vier desatine
não pague a conta
se debata, babe branco e sorria.
morra
e com um beijo infeccionado
complete minha translúcida presença
me marque
me dê flor, faca
me dê




quarta-feira, 13 de junho de 2012

conforto (viagenzinha de Bukowski 06/12)

parece que tem um azol na minha boca me puxando pro lado
aí eu tento ir no banheiro e não consigo
quando eu ando pra frente eu subo, ele puxa e eu dou uma cambalhota pra trás
minha orelha está presa num chaveiro perdido

aquele chaveiro que eu perdi quando tinha poucos anos, época que comecei a ir pra escola sozinho
não terá mais serventia nenhuma por aí, uma boa seria se cavocássemos o quintal, metêssemos ele num buraco e enterrássemos ele com um pai nosso.
isso porque até chaves que tiram cera de ouvido de taxista ainda ligam o carro e abrem a mala, riscam carro de vizinho.
já perdi um monte por aí
onde eu perdi?
não sei e não quero achar.
se estivesse confortável eu ficava é aqui mesmo deitado na escada
me mijava, to nem aí!
não tenho brio nem pra tirar esse anzol
vou descer e achar outro banheiro



terça-feira, 5 de junho de 2012

Faleu


“...Geladeira Electrolux 80 litros...”

Geladeira foi a palavra. O gatilho que me disparou a levantar do sofá colocar uma roupa e descer pelas escadas os três andares. 
A diferença de pressão atmosférica é perceptível. Podem todos falar que não mas eu sinto no ouvido. Penso nisso pra esquecer da vontade de beber, que espera.
Prefiro as escadas, pessoas que moram no trigésimo segundo andar chamando todos os (dois) elevadores me deixam irritado. Elas não pensam nos outros? Chame o que se encontra mais perto do seu andar! A espera me deprime. 

 Lembro bem de estar passando lá e o velho gritava com um livro na mão, que não era a Bíblia, me pareceu um catálogo de cosméticos, ele dizia “Se eu pudesse escolher andava de motorista particular! Mas o povo tem que andar de ônibus!”. Foda-se.
Algo saiu da boca daquela estátua de fezes secas e me intrigou: “Meu vale transporte, é o tempo!” após a frase gritada ele ria alto com a face rosada, contudo nada que impressionasse.

Não tem muito a dizer sobre a trajetória que eu fiz, poderia ter feito outra combinação de traços no cruzamento, escolhi um, não importa qual.
Sou avisado de que tem biscoito de polvilho fresco, que é a sensação precisa de comer ar embalado. 
Só que fresco. 
– Não, obrigado. Quero cerveja da mais Gelada, aceita visa?
– Aceita.
– Faleu.
Isso sempre acontece quando a naturalidade compromete: duas palavras que são usadas para o mesmo fim são fundidas num vocábulo híbrido, valeu e falou, corruptela neural da minha insegurança, só conseguiria evitar me substituindo por outra pessoa. Antes do caixa peguei um biscoito recheado sem preço, provavelmente caro, ao chegar reforcei:
– Vê pra mim antes o preço, não sei se eu vou levar.
– Ainda bem que você falou, acabei de levar uma advertência por registrar sem querer quando era só consulta. – ela registrou sem querer – Meu deus, passei moço, não tem como o senhor levar não?
Minha reação é surpreendentemente artificial, me substituí por outra pessoa.
– Claro! – voz grave – quanto é?
– Dois e cinquenta
– Beleza.
Digito a senha
Torço pro cartão passar
– Volte sempre!
– Tchau, volte sempre.
De novo o anjo mau da naturalidade faltou, eu estava sentado num intervalo do enfado da função de ter de me suportar, agora fui bengalado pra dentro de novo sem perceber. “Tchau, volte sempre”?
– Tchau – mais um tchau, sem olhar, o que seria demais.
Voltei pelo mesmo cruzamento mas só atravessei depois de esperar um sinal de 3 minutos fechar, acendi um cigarro que queimou quase até o final. Eu tinha a esperança de conseguir fuma-lo inteiro.

cigarro é o único modo de fazer a vida passar mais rápido, esse negócio de encurtar a vida é mentira, ele é a única fonte do óleo preto que entra na veia e vai até o cérebro, o óleo que faz pensar.
A decepção da esperança é melhor que a frustração da espera.

Acabei abrindo o biscoito.
Ao cruzar a rodoviária no caminho de volta pra casa um homem descabelado com uma pochete atravessada no tórax, se posturava como um soldado portando uma munição pesada, um cinto daquelas balas gordas que explodem, esperava escondido dos inimigos que o proibiriam de estar ali, sua calça cargo ainda imaginava ser um porta cantil, esperava a sonhar com um coldre e um revolver pesado.
Quando me viu perguntou baixo:
- Lá? Acolá?
- Não, não vou viajar, to indo pra casa – imprudentemente continuei falando com o mercenário – Como é que vocês fazem? É van? É mais barato?
- Mais barato, mas não é van, tu me dá metade do dinheiro que eu passo pra tu no guichê com o cartão de vale-transporte, tem até comprado aqui já pra lá e acolá, quando quiser me procura.
- Por quê que você faz isso?
Recebi um olhar de desconfiança.
Sorri.
- É porque eu recebo o cartão de vale transporte do serviço, mas vou pro trabalho a pé, aí não posso morrer nessa grana.
- Quer um biscoito?
- Quero um cigarro! – sorriu, claro, ele esperava demais.
Eu respondi com uma gargalhada natural.

Cheguei em casa, vi a propaganda da geladeira de novo e quando o jornal voltou do intervalo eu reconheci o cenário.

“Motoboy morre em acidente após avançar o sinal do cruzamento em frente ao supermercado, o choque com o carro lançou o jovem de 19 anos no interior de uma banca de jornais”

Depositar esperança num sinal vermelho e morrer é lindo, além de ser estúpido demais pra ser escroto é simbólico saber que o vermelho é exatamente o que nesse caso vem negar o verde

A ironia da imagem do meu mártir coberto com um plástico preto do lado do banner de cigarros da banca destruído e da infinidade de maços espalhados no chão foi comovente.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Conto: Joelho


"Acordei sedento, sede natural ao contrário. O parasitismo exercido pelo mundo exige sua água.
O Firefox só é usado nessa quitinete para a navegação privativa, sem registrar no histórico.
O maço vazio de free serviu de reservatório improvisado e a sede foi saciada.
Primeiro dia da nova empregada, dez da manhã a campainha toca, ela me olha com ar de surpresa e fala gírias. Suas pernas são surpreendentemente finas e revestidas naturalmente por pêlos que provavelmente ela penteia e passa condicionador, sua calça é do tipo de ginástica e parece ter sido cortada nas canelas. Ela me olha com simpatia exagerada do alto do seu leve estrabismo e entorta seu cabelo, de fiapos com tanta memória quanto argila, para trás da orelha, logo associo sua sedução ao novo corte que o barbeiro me fez, a careca foi suavizada por um penteado menos grosseiro, um degrade de decrescimento até o topo chapada estéril do meu cocuruto. Óbvio que é por isso que ela me olha desse jeito, mulheres se atraem por homens vividos e com charme diferenciado.
A faxina é diária e custa 40 reais, caro demais pra um apartamento de um cômodo aqui no fim e eu já deveria ter suspeitado que mesmo sendo atraente aos seus olhos seria difícil negociar. 
Minha padaria predileta fica a 10 minutos da portaria e depois de caminhar até lá monto algumas desconfianças com as informações aleatórias do lugar: Deixei a gaveta destrancada, tem 350 reais e os anéis de mamãe. Joguei fora o maço de free sujo? Que valor aquilo teria para uma aproveitadora mal caráter com pernas tão imbecis? Essa mulher tem o poder de acabar com a minha vida se utilizando daquele maço de cigarros. Ainda que desesperado, me alimento calmamente do pão com presunto na chapa, com atenção, sem esquecer de deixar o meio do pão pro final, a parte mais gostosa. esqueci de lavar a mão. O que se sucede na volta pra casa eu não pude segurar, a preocupação é tão aguda que volto num passo abissal, que soa de tão pesado.
No meio do longo caminho encontro um vingador contra o mundo parasita, quase um mimetista, um entre muitos homens bomba, que com uma caixa de jujubas na mão me pede que pague um pão. Já esperando suas maldições travestidas de “deus te abençoe” eu imediatamente disse não. Olhei e sua frente era tosca, lhe faltava um suposto dente central na arcada inferior, os outros decidiram tentar cobrir sua falta e se inclinaram para dentro, de modo a formar um buraco triangular do qual poderia a qualquer momento sair algum tipo de molusco que tenha gostado de viver naquela cavidade úmida. A resposta ao meu 'não' foi uma vitimação quase mexicana:
- Po, to cheio de fome.
Não respondi. 
Na pastelaria chinesa perto do shopping comprei um joelho, brioche em Petrópolis, italiano em Niterói, a aparentemente óbvia inseminação caseira da empregada não foi o suficiente para fazer com que eu esquecesse tão rápido aquela criatura áspera (após sua morte sua pele deveria ser utilizada para lixar massa corrida), peguei o rumo de volta ao golem parecido com o que vi em um livro na infância. No regresso quase kardecista desejei que o monstro não estivesse mais lá, no entanto na iminência do seu encontro levei um soco do inconsciente, tudo que desejava era sua presença de novo e que aquela boa ação, como oferta a alguma divindade egoísta, fizesse com que aquela serviçal quasímodo não fosse ter um filho meu. Ele ainda estava lá, perguntou ao ver o embrulho: 
- É o pão?
- É.
A rigor joelho não é pão, mas a massa é parecida, esperei que a oferenda modificada por alguns ingredientes tivesse valido. Aquele sorriso aparentemente formado por canjicas e moedas gastas de 5 centavos (das novas, marrons) alinhadas a esmo, me deprimiu instantaneamente. Contudo a sensação boa e egoísta do falso altruísmo fez o meu sofrível melancólico, delicioso.
A empregada já tinha jogado tudo fora em sacos no canto da porta, estava agora com um escovão na privada do meu micro-banheiro. Os sacos de lixo, que fingi presteza ao jogar fora, foram por mim vasculhados no corredor do prédio antes de deixa-los na lixeira, o maço estava intocado na sacola suja, ela nem percebeu o que tinha dentro, o líquido já fora em parte absorvido pelo papel.

Não funcionou, pão não é joelho, é parecido mas a massa é diferente, vi na internet usando o google chrome.
350 reais foi uma pechincha."

quarta-feira, 2 de maio de 2012


lento aproximo
me gravita
magneta faísca
olhos de scifi
fogo pisca
scanners do céu
escuros de perto
de pena
sou ainda alguns quilômetros
por hora, por agora
quem me dera
cometeria abraço em linha reta
aconteceria
cratera

quinta-feira, 26 de abril de 2012

acharam que um dia poderiam ser um romance


"Das cavernas nós viemos, ensaiando futuras sociedades, comendo pequenos animais torrados em fogueiras, mastigando piolhos uns dos outros. Esses caras não sabiam o gatilho que um dia iriam apertar. Não sei quem foi o primeiro ser humano macho que resolveu dar uns bombons diferentes e caros a uma mulher, que resolveu dar um sorriso a mais do que devia a uma quase estranha e depois de um tempo resolveu condicionar sua existência à dela através de um novo e recém criado sentimento; não conheci também o primeiro celenterado que resolveu que saltar de moto sobre 30 carros e aparecer nos videos mais incríveis do mundo seria uma boa idéia, mas se tivesse conhecido, não faria diferença. 
Nós hoje damos valor ao risco, ao sofrimento iminente, um valor heróico ao arrojo sem sentido, seja fumando no posto de gasolina antes do frentista chegar falando que vapor de gasolina pega fogo, ou aquelas cenas do cara indo atrás da mulher da vida na área de embarque do aeroporto numa comédia romântica fundo branco, enfim, grande progresso. No entanto eu tenho absoluta convicção de que algumas coisas realmente não mudaram desde as cavernas, tenho certeza que, por exemplo, o hábito de tirar meleca é tão velho quanto o de dormir no fim de um longo dia. Consigo visualizar um neanderthal recostado numa pedra, ou num monte de feno, com o dedão no nariz e dando petelecos no ar depois de cumprir uma bela refeição, e sei que desse hábito nem ontem nem hoje há de resultar algum tipo de insegurança pessoal ou angústia, há o prazer de futucar as narinas, há o prazer de tirar as meias no fim do dia, há o prazer primitivo de fazer sexo e essas ações sempre correspondem com a instantânea e honesta satisfação, que, por ser simples, é a única realmente despida de cinismo. Tento evitar decepções a todo custo, as acho bobocas, desnecessárias por isso tendo a viver sem maiores rodeios. Sempre achei piegas e deoucí essa estorinha jogral de viver intensamente, isso pra mim sempre foi um luxo. Com vinte e poucos anos, uma barriga e uma uma cama numa república, não dá pra largar tudo e ter uma banda, mas dá pra zerar zelda ocarina of time. Eu vivo em todos os âmbitos da minha vida sem passar pelo atalho da floresta, sem confiar em qualquer simpático, sem a ilusão de fazer da vida o que o meu talento pede, até porque se eu tivesse um grande talento seria o de majestosamente tentar evitar o mal estar. 

02/2011
eu tenho necessidades,
mas é bem menos do que eu preciso

necessitar não precisar é médio crer
não leva
a independência é gangrena, câncer, cela
cancela ser